Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Abril de 2024

Liberdade para humanos e animais

Publicado por Carolina Salles
há 9 anos

Por Miguel Dias Pinheiro*

Liberdade para humanos e animais

Constitucionalmente, liberdade é um direito básico. Em uma sociedade estruturada, todas as autoridades têm o dever de respeitá-lo. Bem como o dever de criar as condições necessárias ao direito da livre cidadania com respeito às leis vigentes em cada tempo e na sua época de vigência.

O caso do “habeas corpus” concedido a dois chimpanzés nos Estados Unidos deve retomar a discussão no Brasil sobre o “direito a liberdade dos animais”, codificado constitucionalmente. A história da liberdade em termos religiosos vem de tempos muito anteriores a Cristo – “assim como queres que a tua liberdade seja respeitada, respeita a liberdade dos outros". Em 1988, foi publicado pela Igreja e Sociedade do Conselho Mundial das Igrejas um relatório sobre a relação entre a Igreja e os animais com o título" Libertação da Vida ", cuja publicação advoga a “liberdade do animal” e a “libertação dos seres humanos e dos animais”.

Em nosso Direito, a tese da liberdade do animal via recurso do “habeas corpus” ainda encontra resistência. Não faz muito tempo, no Estado do Rio o chimpanzé “Jimmy” teve sua liberdade por “habeas corpus” negada pelo Tribunal de Justiça sob o fundamento de que"a lei determina que o habeas corpus somente é cabível para seres humanos e não para animais". Piñeiro Filho, desembargador relator da matéria, disse, na época, que se sentia sensibilizado por todos os argumentos dos impetrantes, mas tinha que se limitar ao que diz o texto constitucional. Apesar de estudos concluírem que" o chimpanzé é o parente mais próximo do homem, com 99,4% do DNA idênticos ao do ser humano ", o desembargador entendia naquela época que o animal não pode ser considerado como pessoa, ou seja, não é um sujeito de direito.

Aqui reside o x da questão: “sujeito de direito”. É o animal, segundo as leis do Brasil, um “sujeito de direito”? Não! Mas, poderá sê-lo! Sob a alegação de que" o animal precisa de espaço e da companhia de sua espécie ", estudos apontam que muitos são parentes próximos dos seres humanos na evolução; eles se separaram do tronco do nosso ancestral comum por volta de 4 a 7 milhões de anos atrás, e compartilhamos de 98 a 99,4% de nosso DNA com eles. Como o homem, alguns conseguem reconhecer a própria imagem no espelho. Também são capazes de aprender certos tipos de linguagens, como a dos sinais.

Os que defendem que os animais possam desfrutar da condição de “sujeitos de direitos”, entre eles o psicólogo Bert Stoop, defensor intransigente da liberdade animal, dizem que “na natureza o direito à liberdade é intrínseco. O termo" a livre natureza "fala por si. É o ser humano que ofende este direito intrínseco à própria natureza. A falta de liberdade na natureza só aparece quando devido a doença ou velhice as forças se esvanecem, e então a morte libertadora já não dista muito. Nenhuma das muitas espécies de animais vertebrados que vivem na natureza rouba a liberdade de qualquer outra, exceto momentâneamente para se alimentar. Curiosamente, quando os animais se comem uns aos outros, muitos carnívoros e vegetarianos que se opõem a matar animais não põem objeções”.

E mais: “A importância da liberdade é semelhante à da saúde. A saúde é também uma forma de liberdade. A liberdade e a saúde são também chamadas necessidades fundamentais, que assim como a segurança, a compreensão, o afeto, a recriação e a possibilidade de expressão da criatividade definem a qualidade da nossa vida do ponto de vista biológico, social e intelectual. Não sabemos de certeza se os animais podem sofrer e adoecer se os privamos da liberdade, mas sabemos que os animais que vivem na natureza tudo fazem para não a perderem e ficarem presos. Que o bem-estar animal sofre da falta de liberdade ou da falta de possibilidades de expressar o comportamento que lhes é natural é geralmente deduzível do comportamento anômalo que os animais passam a apresentar. Um exemplo típico é o das voltas constantes e obsessivas que os ursos polares começam a fazer quando a sua liberdade de movimento é restringida. O cachorro, quando abandonado, é capaz de chorar”.

Então, é necessário que no Brasil nossos representantes no Congresso Nacional comecem a discutir a questão com maior interesse e profundidade o mais rápido possível, porque nações desenvolvidas estão nos colocando diante de uma situação irreversível de futuro: “o animal como sujeito de direito”. E para isso a nossa Constituição Federal terá que se adequar aos novos tempos.

Diante da evolução do Direito, não podemos mais permanecer na estagnação de considerar o animal apenas como um “objeto de direitos”, e não um titular de direitos. Não podemos mais continuar com nossa lei não fazendo a distinção entre coisas e animais. Não é justo! Em Direito, tudo que é ignorado na natureza é imoral. Os nossos sentimentos, segundo Bert Stoop, dizem-nos que devemos defender um grupo que é forçado a viver numa situação injusta. A falta de liberdade é uma destas injustiças.

“O homem é essencialmente uma espécie animal. Tal como os seres humanos, os animais são dotados de consciência e inteligência. Estão apenas menos desenvolvidas e usamos outros nomes quando a elas nos referimos. O que não quer dizer que o ser humano habita um plano superior; significa apenas que o ser humano tem mais poder que o animal. Podemos comparar a relação com a de crianças em relação a adultos. Infelizmente, o animal pouco consegue explicar-nos do que sofre com a forma como os seres humanos o (mal) tratam. Também se pode dizer que os seres humanos são muito pouco capazes de decifrar os sinais do sofrimento que os animais emitem. Por fim, podemos dizer que não temos qualquer base para afirmar que o homem tem mais direitos básicos que os animais. O animal tem o mesmo direito à liberdade” - conclui.

*Advogado

FONTE

  • Sobre o autorDireito Ambiental
  • Publicações2621
  • Seguidores3784
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações2427
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/liberdade-para-humanos-e-animais/182938854

12 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Carolina, mais um excelente texto que você divulga e realmente a liberdade é um bem que pertence a todos os seres vivos. continuar lendo

Reflexão excelente! continuar lendo

Uma reflexão sobre o direito da liberdade que os animais deviam ter . Muito bom continuar lendo

Nós então devemos soltar todos os animais?
Toda a criação de animais para alimentação humana, quando digo todos são todos.
Frangos, gado, peixes e crustáceos em geral.
Consequentemente toda humanidade virará vegetariana, como consequência vamos derrubar mais florestas para abrirmos mais áreas de plantio, isso tudo e muito bonito na teoria mas na prática a situação e bem diferente.
Vamos com calma senhores. continuar lendo

É por isso que devemos formular uma teoria coerente que determine que tipo de sujeito de direitos sem personalidade jurídica que os indivíduos de outras espécies serão. O que exige não somente a interdisciplinaridade entre os ramos do Direito, mas também o estudo de outros setores do conhecimento: ciências biológicas, taxonomia, embriologia, filosofia, moral, etc. Sem contar os aspectos sociológicos que pode influir.
Essa discussão entre integrantes dos movimentos de proteção dos animais (abolicionistas, bem estaristas e utilitaristas) já é velha. Alguns defendem a libertação (tal como ocorreu com os escravos que também eram considerados coisa) e outros defendem o bem estar (abate humanitário, não cruel). Bom, como tudo na vida é dividido em etapas, eu acredito que esses movimentos deveriam se unir para formular um projeto baseado em conquistas graduais. E o primeiro passo deve ser pelo viés bem estarista (por mais que os argumentos abolicionistas tenham mais coerência interna).
Parece-me utópico supor que hoje, a “libertação” de uma vaca, por exemplo, seria a melhor alternativa. Que essa viveria, envelheceria e morreria no meio selvagem, feliz da vida saltitando pelos campos floridos. Não, todos sabem que o “estado de natureza” não é nem um pouco cordial. E que muito provavelmente o bem estar de um animal “adaptado” ao meio civil poderia estar comprometido. E a questão cultural e de necessidade de alimentação dos membros da nossa espécie (animal homo sapiens onívoro) também é campo de profundo estudo e discussão. Mas o que é imprescindível é a alteração da condição atual, que não aproxima nem um pouco o direito da realidade. continuar lendo

Carolina sempre publicando sobre o direito animal. Muito bom linda! continuar lendo