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18 de Abril de 2024

Limites da liberdade de expressão

Publicado por Carolina Salles
há 9 anos

Limites da liberdade de expresso

Por Leonardo Boff*

Os atentados terroristas no início deste ano em Paris e em Copenhague a propósito de caricaturas tidas como insultantes a Maomé, atentados perpetrados por extremistas islâmicos, trouxeram à baila a liberdade de expressão. Na França há uma verdadeira obsessão, quase histeria, na afirmação ilimitada da liberdade de expressão, legado sagrado, como dizem, do iluminismo e da natureza laica do Estado. É algo absoluto.

Contrariamente e com razão afirmou o bispo profético Dom Pedro Casaldáliga:“nada há de absoluto no mundo a não ser Deus e a fome; tudo o mais é relativo e limitado”. Estendendo o teorema de Gödel para além da matemática, pode-se afirmar a insuperável incompletude e limitação de tudo que existe. Por que deverá ser diferente com a liberdade de expressão? Ela não escapa dos limites que devem ser reconhecidos, caso contrário daremos livre curso ao vale tudo e às “vendettas”. A ideia francesa da liberdade de expressão supõe uma ilimitada tolerância: há que se tolerar tudo. Contrariamente afirmamos: toda tolerância possui sempre um limite ético que impede o “vale tudo” e o desrespeito aos outros que corrói as relações pessoais e sociais.

Todo exercício da liberdade que implica ofender o outro, ameaçar a vida das pessoas e até de todo um ecossistema (desmatamento indiscriminado) e violar o que é tido como sagrado, não deve ter lugar numa sociedade que se quer minimamente humana. Ora, há franceses (nem todos) que querem a liberdade de expressão, imune de qualquer restrição. O resultado dessa pretensão foi tristemente constatado: se a liberdade é total então deve valer para todos e em todas as circunstâncias. É o que pensaram, certamente, (não eu) aqueles terroristas que assassinaram os cartunistas do Charlie Hebdo e outras pessoas em Copenhague. Em nome desta mesma liberdade ilimitada. Pouco vale alegar que há o recurso à lei. Mas um mal uma vez feito, nem sempre é reparável e deixa marcas indeléveis.

A liberdade sem limite é absurda e não há como defendê-la filosoficamente. Para contrabalançar os exageros da liberdade costuma-se ouvir a frase, tida quase como um princípio: “a minha liberdade acaba onde começa a tua”.

Nunca vi alguém alguém questionar esta afirmação. Mas precisamos fazê-lo. Pensando nos pressupostos subjacentes, devemos submetê-la a uma crítica mais atenta. Trata-se da típica liberdade do liberalismo como filosofia política.

Expliquemos melhor: com a derrocada do socialismo realmente existente se perderam algumas virtudes que ele, bem ou mal, havia suscitado, como, certa feita, o reconheceu o Papa João Paulo II: o sentido do internacionalismo, a importância da solidariedade e a prevalência do social sobre o individual.

Com a ascensão ao poder de Thatcher e de Reagan voltaram furiosamente os ideais liberais e a cultura capitalista sem o contraponto socialista: a exaltação do indivíduo, a supremacia da propriedade privada, a democracia só delegatícia, por isso reduzida e a liberdade dos mercados. As consequências são visíveis: atualmente há muito menos solidariedade internacional e preocupação com as mudanças em prol dos pobres do mundo. Vigora perversa concorrência e falta de solidariedade que elimina os fracos.

É neste pano de fundo que deve ser entendida a frase “a minha liberdade acaba onde começa a tua”. Trata-se de uma compreensão individualista, do eu sozinho, separado da sociedade. É a vontade de ver-se livre do outro e não de exercer a liberdade com o outro.

Pensa-se: para que a tua liberdade comece, a minha tem que acabar. Ou para que tu comeces a ser livre, eu devo deixar de sê-lo. Consequentemente, se a liberdade do outro não começa, por qualquer razão que seja, significa então que a minha liberdade não conhece limites, se expande como quiser porque não encontra limites na liberdade do outro. Ocupa todos os espaços e inaugura o império do egoismo. A liberdade do outro se transforma em liberdade contra o outro.

Essa compreensão subjaz ao conceito vigente de soberania territorial dos estados nacionais. Até os limites do outro estado, ela é absoluta. Para além desses limites, ela desparece. A consequência é que a solidariedade não tem mais lugar. Não se promove o diálogo, a negociação, buscando convergências e o bem comum supranacional como se comprova claramente nos vários Encontros da ONU sobre o aquecimento global. Ninguém quer renunciar a nada. Por isso não se chega a nenhum consenso, enquanto o aquecimento global sobe dia a dia.

Quando há um conflito entre dois países normalmente se usa o caminho diplomático do diálogo. Frustrado este, logo sepensa na utilização da força, como meio para resolver o conflito. A soberania de um esmaga a soberania do outro.

Ultimamente, dada a destrutividade da guerra, surgiu a teoria do ganha-ganha para superar o ganha-perde. Estabelece-se o diálogo. Todos se mostram flexíveis e dispostos a concessões e acertos. Todos saem ganhando, mantendo a liberdade e a soberania de cada país. Por isso, a frase correta é esta: a minha liberdade somente começa quando começa também a tua. É o perene legado deixado por Paulo Freire: jamais seremos livres sozinhos; só seremos livres juntos. Minha liberdade cresce na medida em que cresce também a tua e conjuntamente gestamos uma sociedade de cidadãos livres e libertos.

Por detrás desta compreensão vigora a ideia de que ninguém é uma ilha. Somos seres de convivência. Todos somos pontes que nos ligam uns aos outros. Por isso ninguém é sem os outros e livre dos outros. Todos são chamados a serem livres com os outros e para os outros. Como bem deixou escrito Che Gevara em seu Diário: “somente serei verdadeiramente livre quando o último homem tiver conquistado também a sua liberdade”.

*Leonardo Boff é colunista do JBOnline e escreveu: Convivência, Respeito e Tolerância, Vozes, Petrópolis 2006.

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54 Comentários

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Mania das pessoas confundirem o teólogo Leonardo e seus artigos com a sua posição partidária , só por que ele é PT não tem sua capacidade intelectual reconhecida? Quem pensa assim , precisa urgentemente ler e reler esse artigo! continuar lendo

Sem falar no ecologista que ele é! continuar lendo

É um problema cultural nosso, criticar a pessoa apenas por criiticar, sem ler ou interpretar o que a mesma diz.
Ele (Leonardo Boff) é um exímio intelectual e faz mais para o país do que estes que o criticam.
Concordo com você, Bernardo. continuar lendo

O fato é que a maioria não lê, tem preguiça; e se satisfaz em recitar o que ouvem na Globo. Não se enjoam de ser medíocres. continuar lendo

Não , nem sabia que ele é PT , conheço Boff pela tentativa - e relativo - exito em implantar a Teologia da Libertação no Vaticano.Se perguntares se gosto das opiniões do mesmo lhe responderei que não , e isso faz-me ler aquilo que escreve com alguma inclinação a desgostarTento separar , mas sou humano e isso me enfraquece.
Sobre o artigo sou obrigado a discordar.Quem sente-se incomodado com os dizeres de outrem tem toda a LIBERDADE para recorrer aos meios legais sim , ao contrário do que expõe o autor .Fato é que o mesmo foi vítima disto e então acredita ser um absurdo.
Vejamos : na tentativa de promover "a casa da mãe Joana" dentro da religião com mais adipatos no mundo ele foi expulso.Perceberam , falou o que quis e pagou por isto. Agora ao escrever dizer :"Todo exercício da liberdade que implica ofender o outro, ameaçar a vida das pessoas e até de todo um ecossistema (desmatamento indiscriminado) e violar o que é tido como sagrado, não deve ter lugar numa sociedade que se quer minimamente humana." o argumento cai no ridículo; é possível notar que ele usa da liberdade de matar , destruir a natureza no mesmo lugar que tenta coibir a liberdade de EXPRESSÃO?
Ora bolas , quem falou em matar? E destruição do ecossistema ?E , sobretudo , em qual país isso não incorre em cárcere ?
Difícil a análise porque o texto é confuso , mas se analisado com calma percebe-se claramente as segundas intenções.A maior delas : querer rebaixar um direito sagrado a crimes previstos em código penal sem que o leitor perceba. continuar lendo

A totalidade dos reacionários brasileiros votam no PSDB e odeiam o PT. Como todo reacionário e ignorante,preconceituoso e homofóbico, a maioria dos eleitores do PSDB pertencem e essa grei. continuar lendo

Ele precisava dar um "toque socialista" no texto, como sempre, com a afirmação de que a culpa disto é dos admiradores de Margaret Thatcher e Ronald Reagan?
Não é porque são conservadores e/ou liberais que estes buscaram pela liberdade sem limites, pelo contrário. Ademais, a liberdade econômica não se confunde com a liberdade ideológica. Basta ver a confusão que é feita entre o liberalismo e determinados ideais adotados pela esquerda no Brasil.
Admiradores destas figuras ilustres (Thatcher e Regan) são muito mais engajados na luta pelas liberdades mitigadas do que defensores de Tchê Guevara, Fidel Castro e Lenin; estes, sim, com sérias inclinações à total liberdade própria e falta dela aos governados.
Bom, mas é a minha opinião... continuar lendo

10!!!! Perfeito!!! Não é necessário se dizer mais nada!!! Somente, parabéns pelo comentário!!! continuar lendo

Hyago , tenho extrema dificuldade de entender a revolta dos que estão a ganhar a vida "na flauta".Caso do autor é um exemplo.Ele tem asco a grandes estadistas pois isso o faria labutar. continuar lendo

Perfeito Hyago, o autor, embora tenha tentado, não conseguiu ser "isento", e maculou o texto com "pontuações, aqui e ali", na tentativa demonstrar, em sua opinião, as vantagens do socilaismo, chega até citar Tchê Guevara como se este fosse o próprio simbolo da "liberdade".
Poderia, ao constatar a necessidade de ser "social", incrustrado no próprio DNA da espécie humana, ter citado São Tomas de Aquino "O homem é um ser gregário", e para compreendermos a necessidade de viver em sociedade, é necessário também compreender a necessidade da liberdade total e irrestrita, tendo a consciencia, cada um de per si, das responsabilidades derivadas e inerentes à liberdade...

Em minha opinião existe um sutil trabalho do autor em prol das ideias do controle da liberdade nas mídias... continuar lendo

Exercer a liberdade é coexistir com o outro que diverge de você. continuar lendo

Nunca havia parado para pensar sobre o questionamento do dito"a sua liberdade acaba, aonde começa a minha" e não é que o Leonardo Boff está certo.
Carolina, nos brinda com mais uma publicação deste sábio.
Bjs lindinha continuar lendo

Catarina, sugiro que leia novamente o texto.
Foi escrito : “a minha liberdade acaba onde começa a tua”.
E tu citou : "a sua liberdade acaba, aonde começa a minha" .
Onde está o erro sem considerar a inversão da frase e os pronomes?
Desde já afirmo que tua frase está incorreta. continuar lendo